Isabel Aveiro
ia@negocios.pt
08 de Setembro
de 2015 às 13:41
Porque esteve o leite sujeito a quotas
de produção na União Europeia?
As quotas de leite na Europa acabaram
a 1 de Abril deste ano. O preço médio do leite pago ao produtor caiu para um
valor que os agricultores dizem ser abaixo do custo de produção. Os protestos
em Bruxelas resultaram já no anúncio pela Comissão Europeia de um apoio de 500
milhões de euros, que o sector diz ser insuficiente. Um guia para perceber o
que está a acontecer.
A
Política Agrícola Comum (PAC), matéria que continua no centro da União Europeia
e que mantém orçamento autónomo das restantes matérias comuns, tem vindo
contudo a ser reformada no sentido de uma maior orientação de mercado. Na
última reforma da PAC, em 2003, Bruxelas determinou o fim das quotas à produção
de leite na União Europeia. O sector vale 55 mil milhões de euros na Europa a
28 Estados-membros.
Porque
surgiram os recentes protestos dos agricultores?
O
fim das quotas leiteiras, determinado pela reforma da Política Agrícola Comum
(PAC) de 2003, junta-se à pressão sobre outras matérias-primas agrícolas que os
produtores da União Europeia foram submetidos desde que a Rússia decidiu no
Verão de 2014, em retaliação ao conflito na Ucrânia e a sanções da UE, impor um
embargo ao agro-alimentar comunitário. Cenário, aliás, que o próprio sector já
tinha antecipado. Da China, onde os agricultores e produtores agro-pecuários
europeus viam a esperança de escoar os seus produtos, as notícias recentes de
abrandamento do consumo ajudaram a um excesso de oferta na Europa. Os preços do
leite europeu caíram 20% nos últimos 12 meses, enquanto os valores pagos pela
carne de porco – que têm feito manchete em França e Espanha – estão 16% mais
baixos do que em Setembro de 2014, escreve a Bloomberg, citando dados da
indústria na EU. Em França, os agricultores obtiveram já, no início deste mês,
uma ajuda de mil milhões de euros de François Hollande – entre financiamento,
subvenções e ajudas fiscais directas e indirectas – com o presidente da
República francês a apelar ao sector da distribuição do país para privilegiar a
produção nacional. Bruxelas, no dia em que a cidade foi invadida por 6.000
agricultores e 2.000 tractores, a Comissão anunciou uma ajuda suplementar de
500 milhões. Só que não disse quem irá beneficiar dos novos apoios e como serão
eles cedidos e financiados.
Em
Portugal, os protestos organizados dos empresários do sector têm-se focado
sobretudo sobre as quotas leiteiras – muito à conta da produção no mercado
estar muito concentrado, no continente, num número relativamente pequeno de
grandes cooperativas, apesar da recente entrada da distribuição, e nos Açores,
ser parte fundamental da economia da região autónoma. Recorde-se que a
liberalização aérea ocorrida nos últimos meses tem uma relação directa com os
receios de perda de competitividade do sector à escala europeia, num contexto
de fim de quotas para os Estados-membros da União. Assunção Cristas, ministra
da tutela, que acompanhou o processo de extinção das quotas em Abril, já
manifestou preocupação pelas consequências da medida, sublinhando a recente
reacção de Bruxelas.
Quando
e porque foram criadas as quotas?
Por
decisão tomada em Março de 1984 (dois anos antes de Portugal aderir à
Comunidade) foi decretada a introdução que quotas de produção de leite (somente
de vaca) no espaço comum europeu. Bruxelas justificou a medida pelo excesso de
produção registada na década de 70 e inícios de 80, que levaram aos
mediatizados derramamentos de leite em praça pública e à designada
"montanha de manteiga" da Europa. O preço estava garantido
independentemente da real procura no mercado e não havia limite de produção.
Como
funcionou o sistema de quotas?
O
sistema introduziu inicialmente uma quota para cada produtor ou comprador no
arranque de cada campanha. Se a ultrapassasse, teria de pagar uma multa.
Posteriormente, recorda a Comissão Europeia, a quota individual foi associada à
quota nacional: só era paga pelo produtor caso o Estado-membro também excedesse
o limite imposto por Bruxelas. No caso de Portugal, a avaliação de Bruxelas era
feita globalmente – somando Portugal Continental e Açores. Portugal chegou
mesmo a pagar multas por excesso de produção, durante a década de 2000.
Recentemente, Bruxelas decidiu dar três anos adicionais aos Estados-membros que
tenham ainda multas por pagar.
O
sistema foi bem sucedido?
Para
Bruxelas, sim. "O sistema de quotas – e a ameaça de multas – ajudou a
suster a expansão da produção da UE" e reduziu os excedentes existentes,
que chegaram a um milhão de toneladas de leite em pó, garantiu a Comissão
Europeia em comunicado divulgado na passada semana. Para a Fenalac, a aplicação
do sistema de quotas leiteiras "contribuiu decisivamente para a
estabilidade de preços e de rendimentos dos produtores" e para a
"modernização, reestruturação e desenvolvimento das respectivas estruturas
de produção", em específico de Estados-membros cujo "patamar de
organização e robustez apresentavam défices consideráveis aquando da adesão
comunitária".
Quando
e porquê foi decidida a sua abolição?
A
reforma da PAC de 2003 decidiu a abolição das quotas leiteiras na UE,
reafirmada na avaliação intercalar de 2008, "com passos concretos para
permitir uma ‘aterragem suave’ até ao final de Março de 2015". Nos últimos
30 anos muita coisa mudou: a Comissão foi diminuindo as garantias aos preços e
reduzindo a intervenção, em alguns casos, a situações extraordinárias (como a
do embargo russo). Bruxelas vê agora as quotas como um "impedimento"
à resposta dos agricultores comunitários à "procura mundial
crescente" de lacticínios. Para isso, quis que vigorasse a lei do mercado,
embora mantenha uma "rede de segurança" para limitar qualquer
"volatilidade extrema dos preços" que ocorra no futuro, através, por
exemplo, da compra, pelo sector público, de manteiga e leite em pó desnatado ou
de ajudas ao armazenamento privado.
Há
período de transição?
Não.
A partir de 1 de Abril é um novo sistema que entrou em vigor na UE a 28 –
"o leite é produzido em todos os Estados-membros, sem excepção, em cerca
de 650.000 explorações agrícolas", recorda a Comissão. "Com [um
valor] de 55 mil milhões de euros, o sector dos lacticínios representa 15% do
total da produção agrícola da UE". O tempo da "aterragem suave",
contudo começou em 2008/2009, recorda a Aprolep, com o "aumento gradual da
quota leiteira em todos os países da UE, de modo a dar gradualmente a liberdade
de produzir".
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